16.8.14

wish I were capable of lying sometimes

Havia uma menina. Com a menina havia uma caixa. Dentro da caixa não há mais do que dois botões.

12.3.11

End of the world - another

Dentro de um universo sem regras a liberdade inerente me vicia nesse sentimento de livre-escolha, mas eu não aceito essa situação. Eu procuro o motivo dessa tristeza, mas acreditar que está tudo bem é muito mais difícil, então eu apenas cutuco essa rachadura na parede, cutuco até ela abrir e eu poder passar por ela. Mas isso nunca vai acontecer, e a tristeza continuará. Esse é o preço da liberdade?
Eu sei que vou acordar amanhã na mesma cama de sempre, e assim o sono vai embora. Eu busco outros olhos no quarto, mas encontro somente meu reflexo, manchas cinzas no escuro de estrelas, mas não há poesia nisso. Eu faço esses papéis ridículos nesses teatros populares, pois não preciso pensar de verdade. Mas os borrões e os desperdícios continuam lá, e eu vejo no reflexo o lado fraco desse papel, o lado fraco de pensar demais. A inércia toma conta do meu corpo e as pontas de meus dedos se rebelam contra a hierarquização corporal, mas eu sei que deitar meu rosto num travesseiro sujo terminará o dia. Mesmo não querendo, não posso evitar de acreditar na esperança de um novo dia, não posso parar de acreditar que tudo vai ficar bem e todos vão ser felizes. Mataremos nossos pais mas nunca deixaremos de ser jovens felizes, até que as primeiras rugas de cinco da manhã cheguem em nossos rostos.
Erguemos nossos copos e celebramos nossa cretinice. Está tudo bem, enquanto pudermos nos abraçar não a razão para acreditar no que nos recusamos a ver.

2.2.11

Desculpa por nunca ter dado a você um nome.
Desculpa pelo descaso, pelo descompasso, mas eu não posso carregar seu corpo pequeno, você é leve demais. Não preciso do seu olhar opaco como prova do meu papel de pai ausente. Minhas mãos ainda estão sujas, então pare de me olhar, não adianta mais.
Eu juro que tentei, mas não posso amá-lo. Então vá, suma da minha vista e cresça, vire a pessoa que eu nunca serei. Esse é o melhor presente que posso dar: liberdade. Livre dos conceitos materiais que me prendem, faça-me ter inveja de você, faça eu me arrepender do dia que larguei sua alma leve na calçada, faça-me o vilão grotesco da sua fábula pessoal. Faça de mim o seu lixo.
E um dia, quando você não couber mais no seu casulo, eu juro que irei matá-lo.

10.8.10

17.7.10

PANDORA (α)

Eu estava tão acostumado a fazer aquele caminho que o ato de pensar só apareceu quando o tiro atingiu o meu peito. Ouvi o bang no mesmo momento que cai no chão, e pela dor meus olhos fecharam e meus ouvidos ensurdeceram, o que me impediu de ver os rostos apavorados e a correria que surgiu. De algum modo aquilo foi tão forte que eu perdi a capacidade imediata de pensar racionalmente sobre o que estava acontecendo, e então veio aquela sensação errada, aquela sensação que não era dor. Eu me senti afogando, deitado no meio da rua, completamente seco e me afogando. Eu tentava puxar o ar para meus pulmões mas nada vinha além daquela água seca que não me trazia oxigênio e aquela situação me deu um desespero gigante e horrível porque eu sabia que eu ia morrer. Eu abri os olhos e mexi as mãos para tentar chamar ajuda, para pedir por um pouco do ar de alguém, e todos estavam lá, ao meu redor, alguns chorando, alguns com cara de nojo mas a grande maioria apenas olhava. Então eu olhei para mim mesmo, para o meu peito, e vi aquela ausência vermelha de carne bem no meio do meu corpo e eu me senti tão insuportavelmente vazio que o desespero aumentou ainda mais e piorava a sensação de afundar. Não era justo eu morrer naquela hora, eu tinha tantas coisas para fazer, tantas coisas para falar e agora tudo ia ficar sepultado pela minha incompetência. Eu abri minha boca e comecei a gritar, mas só saía sangue de mim e aquilo era tão cruel e ridículo que eu tinha vergonha de mim, exposto daquele jeito para todos como um covarde que não teve coragem de viver. Do buraco no peito eu senti uma coceira misturada na dor: vários pedaços de papel começaram a sair da ferida, papéis de várias cores, a grande maioria branca e bege, ensanguentados e amassados, e nesses papéis eu conseguia reconhecer palavras, frases, com caligrafias minhas e esses papéis flutuavam em direção ao céu como pombas magras em direção a migalhas. Eu juntei toda força que ainda restava para tentar pegar aquelas folhas porque elas eram minhas, elas eram tudo de bom que eu ainda tinha mas meu braço não se movia, eu não conseguia nem mais sentir meus membros; então eu tentei levantar meu tronco, pegar as folhas com a boca como um animal, mas o ar estava tão pesado que eu não dava nem para mover a cabeça. Eu só podia ficar lá, parado, sentindo meu corpo esvaziar enquanto as folhas fugiam de mim e Deus, como aquilo era deprimente.

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