17.7.10

PANDORA (α)

Eu estava tão acostumado a fazer aquele caminho que o ato de pensar só apareceu quando o tiro atingiu o meu peito. Ouvi o bang no mesmo momento que cai no chão, e pela dor meus olhos fecharam e meus ouvidos ensurdeceram, o que me impediu de ver os rostos apavorados e a correria que surgiu. De algum modo aquilo foi tão forte que eu perdi a capacidade imediata de pensar racionalmente sobre o que estava acontecendo, e então veio aquela sensação errada, aquela sensação que não era dor. Eu me senti afogando, deitado no meio da rua, completamente seco e me afogando. Eu tentava puxar o ar para meus pulmões mas nada vinha além daquela água seca que não me trazia oxigênio e aquela situação me deu um desespero gigante e horrível porque eu sabia que eu ia morrer. Eu abri os olhos e mexi as mãos para tentar chamar ajuda, para pedir por um pouco do ar de alguém, e todos estavam lá, ao meu redor, alguns chorando, alguns com cara de nojo mas a grande maioria apenas olhava. Então eu olhei para mim mesmo, para o meu peito, e vi aquela ausência vermelha de carne bem no meio do meu corpo e eu me senti tão insuportavelmente vazio que o desespero aumentou ainda mais e piorava a sensação de afundar. Não era justo eu morrer naquela hora, eu tinha tantas coisas para fazer, tantas coisas para falar e agora tudo ia ficar sepultado pela minha incompetência. Eu abri minha boca e comecei a gritar, mas só saía sangue de mim e aquilo era tão cruel e ridículo que eu tinha vergonha de mim, exposto daquele jeito para todos como um covarde que não teve coragem de viver. Do buraco no peito eu senti uma coceira misturada na dor: vários pedaços de papel começaram a sair da ferida, papéis de várias cores, a grande maioria branca e bege, ensanguentados e amassados, e nesses papéis eu conseguia reconhecer palavras, frases, com caligrafias minhas e esses papéis flutuavam em direção ao céu como pombas magras em direção a migalhas. Eu juntei toda força que ainda restava para tentar pegar aquelas folhas porque elas eram minhas, elas eram tudo de bom que eu ainda tinha mas meu braço não se movia, eu não conseguia nem mais sentir meus membros; então eu tentei levantar meu tronco, pegar as folhas com a boca como um animal, mas o ar estava tão pesado que eu não dava nem para mover a cabeça. Eu só podia ficar lá, parado, sentindo meu corpo esvaziar enquanto as folhas fugiam de mim e Deus, como aquilo era deprimente.

15.7.10

Um vez uma personagem minha disse uma coisa com a qual eu me assustei e quase acreditei que ela tinha milagrosamente criado vida e dominado sua própria existência. Era alguma coisa do tipo meus sonhos são apenas sonhos e são bons sendo apenas o que são.


Mas talvez não.

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